segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Bonde Rio de Janeiro

Bonde de Santa Teresa tem acidente fatal

17/08/2009 - O Globo

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Morador protesta com cartaz contra o acidente que matou professora de 29 anos no Rio

Uma pessoa morreu e dez ficaram feridas em um acidente envolvendo um ônibus e um bonde, ontem de manhã, em Santa Teresa. Após ser atingido por um táxi na Rua Paschoal Carlos Magno, o bonde 01, um dos sete Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) que circulam pelo bairro, teve problemas no sistema de freio e começou a descer a ladeira de ré. O ônibus, que subia a rua, tentou desviar, mas os veículos se chocaram na lateral. Em seis dias, esse é o segundo acidente envolvendo bondes reformados, segundo a Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast). No último dia 10, o bonde 03, que já foi modernizado, também teria tido problemas no freio e batido num ônibus na Rua Almirante Alexandrino.

Andreia de Jesus Resende, de 29 anos, saltou do bonde ainda em movimento e acabou esmagada entre os veículos. Nascida em Paraty, ela era professora de história da rede pública de ensino e morava na Tijuca. Entre as vítimas, havia cinco estrangeiros. Segundo a Secretaria municipal de Saúde, dois húngaros e dois italianos foram levados com ferimentos leves para o Hospital Miguel Couto, na Gávea, e receberam alta no fim da tarde.

Graziella Bidini, de 55 anos, também italiana, foi atendida no Hospital Souza Aguiar, com traumatismo craniano leve, contusão no tórax e fratura num dos tornozelos. Ela permanece internada, em observação.

Carlos Eduardo Freire Maciel, de 42 anos, e Gilmar Silvério de Castro, de 53, que seria namorado de Andreia, também foram encaminhados para o Souza Aguiar e receberam alta no fim da tarde. Três vítimas foram atendidas pelo Corpo de Bombeiros no local e liberadas. O caso foi registrado na 7ª DP (Santa Teresa).

Moradores criticam reforma dos bondes

A artesã italiana Bindi Fiorella, de 34 anos, sofreu escoriações no ombro. Ela acompanhava a amiga Graziella que está com a família no Rio a passeio, desde o dia 10. O grupo está hospedado na Pousada Santa Teresa e iria embora amanhã, mas o acidente alterou os planos.

— A filha de Grazi tem um trabalho voluntário no Rio há um ano. Viemos visitá-la e conhecer a cidade. Foi uma fatalidade que poderia ocorrer em qualquer lugar do mundo. Todos pulamos para tentar fugir da batida — explicou a italiana.

O autônomo Luis Leite, que mora no bairro há 37 anos, presenciou o acidente. Ele caminhava pela rua, quando percebeu o ônibus vindo em sua direção e conseguiu escapar.

— O bonde levava cerca de 20 pessoas e foi descendo a uns 60 quilômetros por hora. O motorista do ônibus foi heroico, fez tudo o que pôde. Mas, por pouco, não fui atropelado — contou Leite, que sofreu escoriações leves em uma das mãos.

Elenir Batista, motorneiro do bonde, chegou ao Hospital Souza Aguiar muito abalado. Depois de medicado com calmante, ele foi liberado.

— Tudo foi muito rápido. Nem vi as pessoas pulando, mas o certo seria que elas continuassem no bonde porque, em algum momento, ele pararia. Tentei frear, mas não consegui.

Após o acidente, ocorrido por volta de 11h, moradores de Santa Teresa protestaram com cartazes que traziam frases como “bonde assassino” e “tecnologia assassina”.

Para a vice-presidente da Amast, Juçara Braga, os novos bondes, que começaram a ser reformados em 2006 pela empresa T’Trans, do município de Três Rios, são inadequados para circular no bairro: — Esse sistema de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) não funciona em Santa Teresa pela sinuosidade das ruas. É preciso melhorar o sistema de freio dos bondes.

Em nota, enviada sábado à imprensa, a Amast parecia prever o acidente de ontem. “Desde que a reforma começou, a Amast denuncia os erros cometidos, como a descaracterização dos bondes e as mudanças impróprias em seu sistema mecânico. Não queremos ser alarmistas, mas, se providências não forem tomadas, novos acidentes vão ocorrer e, talvez, não tão leves quanto esse do dia 10 que, felizmente, não fez vítimas”, dizia o texto.

Fábio Tepedino, diretor de engenharia de transporte da Secretaria estadual de Transportes, não confirma o acidente do dia 10. Segundo ele, houve apenas um pequeno incidente, há cerca de 20 dias, quando um bonde e um ônibus tocaram-se levemente. Ele garante que o sistema antigo de segurança dos bondes, formado por uma manivela ligada a correntes presas nas rodas, é muito inferior ao atual: — As novas normas de segurança são rigorosíssimas. O sistema de freio atual é muito mais seguro que o antigo. O problema é que o bonde do acidente de hoje (ontem) tomou uma pancada num trecho perigosíssimo, de ladeira extremamente íngreme. É uma irresponsabilidade falar que, se fosse o freio antigo, o acidente não teria ocorrido.

O diretor, porém, admite que o sistema de transporte em Santa Teresa é arriscado, devido ao tráfego intenso de veículos e às ruas estreitas: — A gente não está inventando um sistema. Ele foi chancelado no mundo todo pelos maiores fabricantes ferroviários. Estamos tendo problemas operacionais, de tráfego. A preocupação é permanente porque a operação em Santa Teresa é complicada.

Temos que provocar um encontro com urgência entre os administradores regionais, para pensar em soluções para esse problema.

A fatalidade ocorreu justamente quando a Secretaria estadual de Transportes acabava de registrar recorde de passageiros nos bondes, desde 2005. Em julho, circularam nos veículos 68 mil pessoas. Atualmente, a Central Logística, uma empresa estadual, é responsável pela gestão do sistema de bondes de Santa Teresa.

Outros três bondes reformados estão em fase de testes. Dois bondes antigos ainda estão em operação. O veículo envolvido no acidente de ontem começou a circular há quatro meses.

Por volta de 15h, o veículo foi retirado do local. Segundo a 7ª DP, o bonde foi levado para uma garagem e passará por uma perícia técnica hoje. O sistema não chegou a ser interrompido por causa do acidente, segundo a Secretaria estadual de Transportes.

Reforma cheia de problemas

No fim de junho, moradores de Santa Teresa reclamaram dos novos bondes em audiência pública na Comissão de Cultura da Alerj.

Eles denunciaram a má qualidade dos cinco veículos novos entregues no ano passado e o risco de acidentes. Joerg Mertensm, diretor da Associação de Moradores do bairro, denunciou que os novos bondes, feitos em Três Rios, tinham a base diferente. Ainda segundo os moradores, a empresa responsável pela reforma modificou o modelo original. O presidente da Comissão de Cultura, deputado Alessandro Molon (PT), vai entregar hoje ao delegado responsável pelo inquérito do acidente uma transcrição da audiência e entrará com uma representação no Ministério Público pedindo a investigação do contrato com a nova empresa.

Em março do ano passado, a T’Trans — empresa que ganhou a licitação para a reforma — já tinha recebido, do convênio entre o estado e o Banco Mundial, R$ 3,5 milhões de um total de R$ 14 milhões, para a restauração dos 14 bondes. O contrato foi assinado em 2006. Hoje, há sete bondes reformados no bairro.

Em 18 de março de 2008, O GLOBO publicou reportagem mostrando que, durante um teste, descobriu-se que um bonde reformado não fazia curvas.

Uma peça raspava nos paralelepípedos entre os trilhos e provocou blecaute na subestação do bairro. A falta de planejamento levou a T’Trans a iniciar a readequação de oito veículos para uma malha ferroviária centenária e obsoleta.

Quase três meses depois da reportagem, um bonde se soltou dos trilhos durante um teste com o novo modelo, atingindo outro que estava parado, na garagem da Rua Carlos Grandt, em Santa Teresa.

O veículo bateu num muro que desabou numa área onde funcionários responsáveis pela restauração dos bondes faziam uma feijoada. Um deles ficou ferido.

UM SISTEMA COM MAIS DE UM SÉCULO

O sistema de bondes do charmoso bairro de Santa Teresa começou a ser implantado na segunda metade do século XIX. Em 25 de maio de 1875, a Empreza de Carris de Ferro de Santa Teresa inaugurou uma linha ao longo da Rua do Riachuelo, com carros puxados por mulas. Dois anos depois, o bonde subiu o morro, com a criação de um plano inclinado entre a Rua do Riachuelo e o Largo dos Guimarães. Os veículos eram puxados por mulas, mas já corriam sobre trilhos, instalados nas ruas de pedras do bairro.

Em 1891, foi criada a Companhia Ferro-Carril Carioca, que transformou o antigo aqueduto dos Arcos em via para os bondes.

Foi no dia 1ode setembro de 1896 que começou a operar o primeiro bonde elétrico do bairro, ligando a colina de Santo Antônio, no Largo da Carioca, ao Largo do França.

Em 25 de fevereiro de 1897, o bonde elétrico já seguia até o Silvestre.

É em 1916 que o sistema atinge o seu auge: tinha 35 carros, 15 deles em circulação permanente.

A Companhia de Transportes Coletivos (CTC) passou a operar os bondinhos em 1963. A empresa estadual tentou fechar alguns carros, alegando a necessidade de aumentar a segurança e a receita, porque um em cada cinco passageiros viajava nos estribos e ignorava a presença do cobrador. A ideia acabou não levada em frente.

Diante de manifestações de moradores do bairro, os bondes foram tombados pelo município.

A empresa estadual Central Logística é a atual responsável pela operação dos bondes, que têm atraído muitos turistas. Entrou para o circuito cultural carioca o projeto Arte de Portas Abertas, em que artistas plásticos fazem exposições nas dezenas de ateliês do bairro, durante fins de semana.

Um comentário:

Anônimo disse...

É triste... depois do acidente até hoje, os bondes milionários, pelo que vi no site da associação de Santa Teresa (www.amast.org.br) foram recolhidos e o povo só tem dois bondes à disposição