sexta-feira, 14 de agosto de 2009

VLT

Bom Sinal tem contratos de R$ 100 mi

14/08/2009 - Valor Econômico

Trem a diesel da Bom Sinal, com bitola métrica, dispõe de padrão para operar na malha existente em várias cidades do País

Todo ano, a principal atração da Expocrato, tradicional evento agropecuário do Cariri cearense, fica por conta dos campeonatos de caprinos e ovinos. Mais de cem mil pessoas acompanham, ao som das bandas de forrós, as premiações de animais no Crato, cidade a 600 km da capital. Em 2008, porém, foi diferente. Os visitantes fizeram filas e mais filas para conhecer um trem.

Tamanha curiosidade tem explicação. Para muitos, até aquele dia, carro sobre trilhos não passava de imagem de filme ou de uma lembrança dos tempos em que o trem cruzava o semi-árido, há mais de três décadas. A surpresa cresceu ainda mais quando descobriu-se que o veículo tinha sido feito num município vizinho, Barbalha, cuja economia tem como base a agricultura e o comércio. Dali saía trem?, as pessoas se perguntavam.

Cinco anos atrás, quem tinha essa mesma dúvida era o paulista Fernando Marins. Hoje, porém, a Bom Sinal, empresa controlada por ele, já construiu em Barbalha quatro carros para o governo cearense e venceu concorrências para entregar outras 45 unidades para os metrôs do Recife e de Fortaleza, contratos de cerca de R$ 110 milhões. Quando chegou a Barbalha em 1999 para fabricar carteiras escolares de plástico, Marins não tinha a menor ideia de que a Bom Sinal se transformaria na única empresa a produzir no Brasil os chamados VLTs (veículos leves sobre trilhos), uma espécie de primo do metrô de menor tamanho e velocidade.

A empreitada teve início meio por acaso. Com vagões caindo aos pedaços, o governo cearense propôs à Bom Sinal reformá-los, colocando bancos e revestimentos internos de plástico. Marins topou, já que, na década de 70, sua antiga empresa Hidroplas fazia em Botucatu (SP) o interior de trens. Com a decadência do transporte ferroviário no país, o empresário decidiu produzir móveis escolares no Nordeste, região sem fornecedores.

O serviço feito nos trens caiu nas graças do ex-governador Lúcio Alcântara (PR), que lançou um novo desafio à Bom Sinal: construir trens para que dessa forma a linha férrea que cruza as cidades de Juazeiro do Norte e Crato, vizinhas de Barbalha, voltasse a funcionar. Marins aceitou a proposta. Eu pensei o seguinte: minha família já fazia ônibus em Botucatu. Por que não tentar fazer trem?, explica, cujos ele, cujos parentes controlam a carrocerias Caio.

O primeiro passo foi contratar gente com experiência no setor, como o engenheiro gaúcho Osvaldo Quintian, que já trabalhou na Siemens, nos metrôs de países como França e Bélgica, e agora mora em Juazeiro do Norte. E treinar outros trabalhadores do próprio Cariri. Depois, a equipe buscou adaptar o projeto à realidade nordestina de orçamentos restritos. Para não ter de construir uma estrutura elétrica, o trem é movido a diesel, por exemplo .

Dois anos depois de costumizações, o VLT da Bom Sinal ficou pronto no ano passado. Pelo baixo custo de produção, atraiu a atenção de gestores públicos. O mérito deles é ter feito um produto de qualidade e barato, diz Rômulo Fortes, presidente da Cia. Cearense de Transportes Metropolitanos. Levantamento recente realizado pela empresa, segundo ele, apontou custos mais baixos, de R$ 1 milhão por carro da Bom Sinal comparado com um importado. Isso sem contar os custos para trazer o veículo ao Brasil. Outra característica que tem agradado os compradores é que os trens da Bom Sinal são feitos em bitola métrica (distância de um metro entre as rodas), medida que não é padrão entre fornecedores. Isso faz com que eles se encaixem na malha ferroviária já existente em diversas cidades porque esse era a distância utilizada pela extinta Rede Ferroviária Federal. É um gasto a menos para os cofres públicos, já que não é preciso implantar novas linhas.

Muitas vezes, esses trilhos antigos passam pelo meio das cidades. Seria um crime jogar toda essa estrutura fora, afirma o empresário. Cidades como Macaé, Sobral, São Bernardo do Campo, Petrolina e Caruaru já foram conhecer o projeto do Cariri.

Hoje, a bitola métrica não é usada por multinacionais fabricantes de trens. Elas utilizam as bitolas larga (1,6 m) ou standard (1,435 m). O objetivo delas é padronizar os projetos, fazer com que a indústria possa ganhar escala e assim reduzir o preço. Fazer um projeto sob medida para a malha férrea brasileira de um metro sai caro.

A Bom Sinal ocupou muito bem um nicho que não interessou a outros fabricantes, diz Luiz Fernando Ferrari, diretor comercial da Alstom. A multinacional francesa acabou de fechar contrato de 16 VLTs elétricos para Brasília, onde trilhos novos estão sendo construídos.

Em breve, o trem de Barbalha deixará de ser atração de exposições. O objetivo do governo cearense é pôr em funcionamento o Metrô do Cariri, como o veículo é chamado na região, até o fim do ano. Ligará num trecho de 13 km, Crato a Juazeiro do Norte, passando pelo centro das cidades que somam mais de 400 mil habitantes e cujos limites já são quase invisíveis.

Investimentos de R$ 50 milhões em nova fábrica

Para atender os contratos das licitações dos metrôs do Recife e de Fortaleza, a Bom Sinal vai construir uma nova fábrica em Juazeiro do Norte, com capacidade para fazer 40 carros ao mesmo tempo. Até hoje, a empresa fez os veículos de forma improvisada dentro da indústria de cadeiras plásticas. Foram apenas quatro unidades.

O empreendimento demandará pelo menos R$ 50 milhões em investimento. Fernando Marins, controlador da Bom Sinal, diz que está na fase final de acordos de parcerias e financiamento para viabilizar o projeto. O terreno será doado pelo governo de Cid Gomes (PSB), que, empolgado com os resultados obtidos pela Bom Sinal, espera atrair ao Cariri outras indústrias do ramo ferroviário. Apesar das novas instalações, a receita de fabricação continuará a mesma: trens de baixo custo para bitola métrica, movidos a diesel.

É como se fosse um ônibus sobre trilhos, com a vantagem de não pegar trânsito e transportar mais de 300 pessoas ao mesmo tempo, explica Osvaldo Quintian, engenheiro da Bom Sinal. O chassi e o motor, por exemplo, são adaptações dos modelos usados em ônibus. Para conseguir reduzir os gastos, no lugar de aços especiais para a estrutura, que são mais caros, é usado o aço comum, mas galvanizado para garantir a durabilidade. A porta, que em geral corre na transversal em trens, funciona como no ônibus para ficar mais barata, abrindo para dentro.

O projeto inicial foi elaborado pela Bom Sinal em sua unidade de Botucatu. De São Paulo também saíram algumas estruturas, como chassi e motor. Chegando em Barbalha, essas partes foram montadas com os bancos, revestimentos e coberturas feitos na cidade. A cada novo contrato, pretendemos produzir mais partes no Cariri, diz Quintian.

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